Em entrevista para TRIP, o sócio da FLOW, Igor Schultz analisa o que mudou no mundo corporativo nos últimos anos a partir do momento em que as pessoas passaram a diminuir o ritmo e buscar sentido no que fazem. “Em conversas com determinados profissionais, muitas vezes a última coisa de que se fala é a remuneração”, diz o headhunter Igor Schultz, sócio da Flow.

Trabalho e paixão

O que mudou no mundo corporativo nos últimos anos, a partir do momento em que as pessoas passaram a diminuir o ritmo e a buscar sentido no que fazem, foi a ideia de motivação. “Em conversas com determinados profissionais, muitas vezes a última coisa de que se fala é a remuneração”, diz o headhunter Igor Schultz, sócio da Flow, consultoria em recolocação profissional voltada para posições de liderança. “O profissional está interessado em saber quem são os acionistas da empresa, como ela atua no mercado, que tipo de missão e de propósito ela tem.” Certos executivos querem só exercer seu poder de veto a empresas de tabaco, bebidas ou notórias pelo comportamento antissocial. Outros querem, nas palavras de Schultz, “se apaixonar pela causa”. Seja uma causa socioambiental relevante ou só algo que os faça vibrar. Recentemente, recrutando para firmas de materiais esportivos, Schultz viu marmanjos implorando por uma vaga por pura afinidade e ligação emocional com a marca.

No passado, quando a regra do jogo era trabalhar duro, com disciplina e não dar muito aborrecimento ao chefe, em troca de passar a vida inteira numa empresa, tinha-se um amor quase filial à companhia – que, afinal, era responsável pela sua carreira. A partir dos anos 90, com a onda de reengenharias, downsizings e cortes de níveis hierárquicos, deixou de fazer sentido acreditar na troca de lealdade por estabilidade vitalícia. A relação entre empregados e empregadores hoje é diferente. “O profissional deixou de buscar a segurança e a maximização do retorno financeiro por seu trabalho como motivadores únicos”, diz Schultz. “Está buscando uma empresa pela qual consiga se apaixonar. Se apaixonar pelo que a companhia representa, pela sua causa e pelo tipo de produto ou serviço que ela oferece.”

Isso é verdade, sobretudo, entre as novas gerações. “É mais mar­cante, esse desprendimento material nas decisões de carreira”, nota Alexandre Pellaes, líder de operações da 99jobs, uma comunidade on-line de carreiras que conecta profissionais a empresas. É natural que seja assim, já que a geração Y surgiu num momento em que o mundo parecia mais economicamente viável. A busca por um trabalho apaixonante, porém, não é privilégio de uma faixa etária. É muito mais uma tendência global do mercado de trabalho do que uma anomalia demográfica.

“A gente está dando muita atenção para o jovem, porque ele é a força que entra no mercado, e todas as empresas o disputam”, pondera Pellaes. A 99jobs fez uma pesquisa em outubro do ano passado, com cerca de 1.300 pessoas, que revelou que 60% dos trabalhadores já dizem que o propósito e a conexão com os negócios é tão ou mais importante que o salário. “Dinheiro é relevante, mas não é o fator principal de decisão como foi no passado”, diz Pellaes.

Que o diga Alison Paese, um empreendedor gaúcho de 28 anos que fundou o canal de vídeos Foras de Série e vem registrando depoimentos de heróis nacionais tão distintos como Gustavo Kuerten, Bel Pesce e Washington Olivetto. Para tirar o projeto do papel, ele trocou a carreira que fazia na corretora XP Investimentos por uma empreitada de risco, movido por pura paixão pelo veículo que está construindo. “Ele é um meio de transformação. Nossa ideia é pegar projetos e pessoas bacanas que estão tomando atitudes pelo Brasil e potencializá-las”, diz. “Mostrar essas ideias para todo mundo e inspirar outras pessoas a agir.” Hoje são vídeos, mas há planos para uma plataforma de texto e também eventos.

O projeto foi criado dentro da InfoMoney, portal de notícias financeiras que pertence à XP, mas Paese, que já era sócio da corretora, entendeu que chegara a hora de pular fora de uma atividade na qual, potencialmente, se ganha muito dinheiro e se lançar em um projeto solo de alto risco, daqueles em que ou você arrebenta ou se arrebenta. Por quê? “É que passei a ficar infeliz com o dia a dia, já não me sentia mais tão transformador”, conta ele. “O Foras de Série apareceu na minha vida, e me apaixonei… Quando vi o episódio-piloto pronto, falei: ‘Isto aqui é exatamente o que eu sou e no que acredito’.” Não dava mais para pensar em finanças.

“Meu dia a dia hoje é conhecer pessoas bacanas que sempre sonhei conhecer. E os caras querem participar do projeto, não sou eu tietando e implorando para participarem”, diz ele. Desde o começo, Paese sente o interesse de possíveis parceiros em sua criação. “Ao mesmo tempo em que foi uma loucura, logo vi que havia possibilidades de aquilo virar um negócio. De ganhar dinheiro”, afirma.