Por: Katy Salvador, sócia da Flow Executive Finders
O cenário nacional de alta taxa de juros, aumento no preço dos insumos, diminuição do poder de compra e endividamento das famílias brasileiras trouxe dois cenários distintos para o varejo de moda no Brasil. De um lado, estão os grandes players nacionais que buscam driblar o cenário com o congelamento de investimentos, corte de despesas operacionais e necessidade de aumento da produtividade. Do outro estão as chinesas Shein, Shopee e AliExpress, que apresentam um novo modelo de negócios baseado na compreensão dos clientes a partir de testes com inteligência artificial, inclusive generativa, e seu uso em todas as fases da operação, ou seja, do design à entrega.
Esse cenário desencadeou uma série de mudanças na concepção da produção, tornando a plataforma capaz de produzir apenas aquilo que será, de fato, vendido e entregue em escala global. Como evidência do impacto do modelo, é possível citar que a Shein faturou R$ 8 bilhões no Brasil no ano passado, um aumento anual de 300%, segundo dados do BTG Pactual. Ainda de acordo com o relatório, a Shein já fica próxima a gigante Renner que obteve um faturamento de R$11,6 bilhões em 2022, o que representa um crescimento de 22% em comparação com o ano anterior. Ainda como base de comparação, o faturamento da chinesa equivale ao das varejistas C&A e Marisa somados.
Para completar o desafio, a Shein anunciou há algumas semanas que se tornou sócia do Sparc Group ao adquirir quase um terço das ações, ou seja, se tornou minoritária das marcas Forever 21, Brooks Brothers, Aéropostale, Reebok e Nautica. Com esse movimento, Shein e Forever 21 passarão a vender seus produtos de forma conjunta via e-commerce e lojas físicas, o que representa a união de duas marcas potentes e a potencialização da experiência ominicanal de compra dos mais de 150 milhões de cliente da plataforma.
Mas, é claro que essa transformação não está isenta de desafios e controvérsias. A rápida produção e distribuição de roupas de baixo custo levantaram preocupações ambientais e sociais sobre o desperdício e as condições de trabalho, bem como a utilização da inteligência artificial levanta questões éticas sobre a privacidade dos dados dos consumidores e a influência da tecnologia na definição das tendências. Por fim, o benefício fiscal exclusivo do modelo levanta discussões sobre competição desleal. Aqui no Brasil, até o momento, as compras internacionais estão isentas de taxação em remessas de até US$ 50.
Entre prós e contras, o modelo se apresenta como disruptivo e promove a transformação da indústria da moda, sendo que, historicamente, o mercado foi composto até então por players majoritariamente domésticos (excluindo o segmento de luxo). Todo esse contexto convida os executivos e organizações do setor a trazerem novas análises à mesa, como:
1. Design e desenvolvimento de produtos
Entender as mudanças de comportamento globais, regionais e locais que geram as tendências emergentes.
2. Cadeia de Suprimentos e distribuição
Garantir cadeia eficiente para compras e entregas eficazes e rápidas.
3. Estratégia Omnicanal
Garantir personalização, experiência consistente e integrada entre canais físicos e digitais, diminuindo barreira de acesso.
4. Fortalecimento de áreas funcionais específicas garantindo integração ao negócio
Fortalecer as áreas funcionais relacionadas à tecnologia e inovação, análise de dados, inteligência artificial, automação e marketing digital com gestão de relacionamento com o cliente, mídias, redes sociais e canais digitais, sem criação de silos com executivos orientados ao negócio e não a área funcional.
5. Redefinição da responsabilidade social corporativa
Entender o compromisso com as práticas éticas e sustentáveis para não só garantir advocacy, como implementação e comunicação das iniciativas mais relevantes.
6. Estrutura Matricial
Optar por uma estrutura matricial, desde que se combine com modelos ágeis e grupos multidisciplinares na tomada de decisão, pode melhorar a agilidade da transformação.
7. Pessoas
Escolher os executivos certos para liderar as cadeiras chaves trará um impacto relevante. A aderência nesse momento envolve mais do que a atribuição atual, aderência cultural e potencial de desenvolvimento – variáveis comumente analisadas em organizações com plano de carreira e desenvolvimento organizacional estruturado. Uma vez que a combinação de experiências forjadas em teses de crescimento incremental pode ser uma barreira para o momento, exige dos executivos um modelo mental além dele visto que precisa ser capaz de desempenhar com processos de estrutura ágil e transversal versus silos e hierarquia para que a empresa consiga enfrentar a concorrência, inovar e atrair times de alto desempenho conectadas as agendas e modelos de negócios novos.
Como ponto forte as marcas brasileiras e seus executivos saem na frente na presença física e digital já estabelecida no Brasil, já que conhecem a dinâmica do setor no país e seus consumidores, além de terem marcas fortes, reconhecidas e de confiança. Em alguns casos, dependendo do segmento, podem se beneficiar com braços de estruturas financeiras.
Agora, diante camada de mercado de concorrência internacional, as varejistas se veem na obrigação de analisar e performar em um novo modelo de negócio que exigirá a agenda estruturante que engloba redefinição estratégica, condições e estrutura de desempenho – inclusive de pessoas – e, em alguns casos, de governança corporativa.