Por Igor Schultz e Leandro Pedrosa
A crise devido ao Covid-19 já causou um impacto permanente no setor de energia. O consumo global deve cair 6% ao longo de 2020, e o segmento de fontes renováveis também sofre as consequências dessa queda. Porém, o aumento da participação dessas fontes limpas nas matrizes energéticas e a agenda de descarbonização das empresas fazem parte de um objetivo de longo prazo em quase todos os países em desenvolvimento.
No contexto atual, as empresas do setor energético no Brasil estão focadas em manter seu fluxo de caixa, reduzir seus custos e eliminar os gastos desnecessários, enquanto o mercado apresenta incertezas quanto ao futuro. Portanto, pressupõe-se que essas organizações adiarão seus projetos de investimento, aguardando por um cenário de maior previsibilidade, econômica e política.
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A retomada do setor
Para a retomada do setor e dos investimentos em fontes renováveis e eficiência energética, alguns vetores ganham força e vemos anunciados muitos projetos de curto prazo, mesmo durante a pandemia. Isso dadas as seguintes razões macro:
- Investir em energia renovável pode ajudar a evitar emissões de gases de efeito estufa e a proteger as comunidades dos efeitos das mudanças climáticas;
- A instabilidade do preço dos combustíveis fósseis;
- Esses projetos geram empregos. De acordo com o “Cenário de Transformação da Energia”, do relatório da IRENA, o número de empregos na cadeia de energia renovável em todo o mundo pode mais que triplicar;
- Atualmente, não é só uma questão de discurso ambiental. A competitividade também está no preço. Dados os últimos leilões no Brasil, a competitividade da geração das fontes eólicas e solar aumentaram bastante.
No cenário Brasil, além do ganho de competitividade das fontes renováveis, ainda temos outros fatores que contribuem para a atração cada vez maior de grupos e empresas interessados em financiar novos projetos, principalmente de fontes eólica e solar:
- Os grandes grupos tradicionais de combustíveis fosseis percebem o movimento do mercado e montam projetos para diversificar sua receita com fontes renováveis;
- Grupos nacionais apostam em uma oportunidade que surgiu na geração distribuída e montam projetos, principalmente de fonte solar, para atuar neste mercado mais pulverizado de baixa tensão;
- Enquanto o mercado cativo enfrenta seus problemas de distribuição e intervenção do governo, o mercado livre vive a alta demanda de grandes empresas pela compra de energia de fontes renováveis. Tanto pelos seus compromissos e propósitos, quanto por exigência da sociedade atual por meio de seus investidores e consumidores.
Enquanto, por um lado, a diretoria da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou, em 23 de junho, um socorro às companhias do setor elétrico brasileiro, especialmente as distribuidoras, dada a situação de queda do consumo e inadimplência, vemos, por outro lado, diversos novos projetos de geração de fontes renováveis sendo anunciados.
Cenário de análise de investimentos em geração de renováveis
Além dos pontos levantados acima, o setor de energia elétrica, junto com o de saneamento básico, são prioridades do governo para recebimento de investimentos. Eles são o foco do Banco de Desenvolvimento Econômico (BNDES) em parceria com outras instituições financeiras. Outro fator que contribui com as iniciativas de investimento no setor são os juros baixos, que viabilizam projetos no Brasil que, no passado, não eram considerados, pelo alto retorno das aplicações em renda fixa.
Iniciando em 2023, consumidores com demanda superior a 500 kW poderão escolher seu fornecedor. O volume negociado nesse ambiente, que foi de R$ 134 bilhões em 2019, deve triplicar em até uma década, segundo estimativas de alguns bancos, como o Santander.
Dada essa perspectiva de ambiente, o Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE) recebeu autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para atuar como um mercado de balcão organizado. Ao mesmo tempo, começam a surgir iniciativas para desenvolver no Brasil um mercado de derivativos de energia, hoje inexistente.
A transformação das organizações
Dada as oportunidades elencadas acima, o mercado de renováveis mostra perspectiva e volume de projetos no curto e médio prazo, apesar do efeito da pandemia. Porém ainda vemos as organizações focadas muito no financiamento e análise de retorno dos projetos, mas com pouco foco na transformação e estruturação das organizações, o que acreditamos ser chave para os desafios daqui em diante.
O setor de energia ainda é visto, até mesmo pelos investidores, como um negócio gerador de caixa, com números estrondosos. E, por envolver contratos de longo prazo, é um setor que desperta grande apetite de financiadores (bancos). Precisamos quebrar essa visão e começar a ver o setor como um negócio híbrido. Em um primeiro momento ainda será necessário ter um forte asset management. Porém o setor está em transformação e deve focar mais em seu cliente final, o consumidor.
O setor teve a oportunidade de colocar em prática alguns avanços tecnológicos que quebraram paradigmas e que, em um primeiro momento, foram colocados em prática para preservar a saúde e o bem-estar dos colaboradores e do negócio, e que foi comprovado que funcionam muito bem. As empresas estão caminhando para um estilo de organização, independente do seu porte, mais enxuto, colaborativo e rápido na tomada de decisão.
É preciso fatiar esse transatlântico em pequenos barcos para reduzir o custo e aumentar a eficiência de produtividade. As empresas devem aproveitar a força do setor para se colocar em uma posição estratégica de agente transformador, buscando novas parcerias, sinergia com outros tipos de negócio e, até mesmo, para revisar a estratégia comercial e o portfólio, com o objetivo de verificar se a oferta de produtos está adequada ou se existe espaço para agregar algo a seus clientes.
Com todos esses desafios externos e internos, fica a reflexão do perfil ideal de executivo e time para conduzir essas agendas de transformação. Será necessário promover o intercâmbio de profissionais que tenham em seu histórico profissional as realizações necessárias para performarem nesse novo momento, mesmo que sejam de outros setores.
Visão Estratégia
Grandes transformações interferem em tecnologia, processos, posicionamento e pessoas. Apesar de serem tópicos relevantes, é necessário levar em consideração também outros fatores, como: quem são meus clientes? Quais são meus canais com o consumidor neste novo formato de mercado? Que tipo de serviços posso ofertar e como me aproximar desses clientes aportando valor?
Governança
Poderemos ter muitas fusões & aquisições, IPOs e troca de gestão durante esse período, o que muda completamente o ritual de governança atual versus o novo ritual que a empresa deseja.
Novos investimentos, renegociação contratual, diversificação de matriz energética e revisão de portfólio demandarão uma nova estratégia de atuação. Por exemplo, o crescimento que era orgânico poderá se transformar em crescimento inorgânico por aquisições. Um novo portfólio de serviços/produtos ou ativos demandarão uma nova conduta comercial e um novo posicionamento de mercado. Parcerias, alianças e joint-ventures também podem ajudar na questão de diversificação, complementação de portfólio no que diz respeito a geração de energia intermitente. A habilidade para costurar esses acordos e parcerias em um mundo globalizado passa a ser uma questão relevante.
Outro ponto relevante é o ESG (Environmental, Social and Corporate Governance) que vem ganhando um protagonismo crescente e provocando diversas mudanças na maneira de como as empresas devem se portar em relação ao tema, isso implica não somente em um compromisso com a sociedade e meio ambiente, mas também financeiro. Bancos e investidores estão mirando o holofote financeiro para empresas que independente da matriz energética, conduzam o negócio de maneira sustentável.
Digital e Analytics
Além das novas tecnologias, toda a cadeia energética pode utilizar uma enorme quantidade de dados à sua disposição para melhorar as análises de risco, promover sistemas de prevenção de falhas, automatizar e melhorar processos, gerando eficiência operacional e energética.
Na gestão de ativos, os benefícios da digitalização ficam mais evidentes na velocidade das tomadas de decisão, nos processos inteligentes com sensores e sem interferência humana, em uma maior segurança, na melhor gestão de manutenção e equipes de campo, e claro, no menor custo.
No Reino Unido, por exemplo, até 2020 os domicílios contarão com um medidor inteligente de energia, que estará conectado na nuvem e enviará e processará os dados, permitindo que diferentes players (distribuidoras) concorram para atender àquele cliente.
Conclusão
As mudanças e evolução do mercado livre de energia trarão muitas oportunidades, mas também muitos desafios, pois chegar neste cenário futuro vai exigir muita transformação das empresas, uma liderança com um plano estratégico definido, times multifuncionais capacitados e investimento.
Não é possível definir um perfil ideal de executivo para todas as empresas, pois cada uma deve definir suas agendas de transformação e como será a nova organização. Porém, podemos afirmar que o perfil ideal para o setor são profissionais que, assim como as organizações, tenham capacidade de adaptação e rápida resposta às mudanças do mercado, resiliência e protagonismo para promover essas transformações, capacidade de navegar em um ambiente mais leve, com menos hierarquia, gestão mais compartilhada e colaborativa, além de uma forte capacidade analítica não somente da área de atuação, mas do negócio em que está inserido.